10 de dezembro de 2010

Era um andar agitado naquele quarto pequeno. Quando a agitacão atingia um máximo, Rita avançava para a sala. Mas, também ali era ameaçada por memórias. Assim era. Rodrigo havia partido e deixara para trás uma casa impregnada de memórias. Estas pertenciam não só a casa, mas a Rita, que, agora as vivia, só, abandonada abruptamente a si mesma, depois de uma luta desigual. Era uma diva, enfraquecida, trasnformada em escrava submissa que tentava agora sobreviver entre quatro paredes, onde as memórias dançavam e pululavam indiferentes ao seu sofrimento.

25 de novembro de 2010

N ão foi uma carta, não foi um bater à porta e voltar, arrependido. Era uma mensagem no telemóvel. Dizia que ele havia voltado. Rita sentiu o coração de novo. Era como se tudo tivesse sido apenas um pesadelo, era o fim imediato da tortura. O amor não havia terminado, e ela podia continuar a amar.
Acordou, para o mesmo pesadelo. Estava só e tinha que continuar a matar aquele amor.
Quando a Rita se apercebeu, estava tudo terminado.
Ainda asssim, quem vive habituada a lutar, luta sempre, mesmo quando reconhece que já não há muito a fazer. Rita, a diva, tornada humilde por um amor, via-se agora rejeitada, enjeitada, humilhada, deixada lá fora num frio cortante. O amor não é sempre igual. Este amor veio de alguém que não podia amar do mesmo modo do que ela. Rita tornou-se a ameaça constante para um ego fraco, que se reveste de narcissismo numa tentativa de ser forte. A inutilidade do combate tornou-se clara.

Amei-te como nem tu mesmo te podes amar: amei-te, a ti, não a essa máscara que criaste para te sentires amado por todos e perfeito. Deixo-te a minha invisibilidade. É a minha última prova de amor.

E partiu. Não com a dramaticidade que o momento desejava. De vez em quando, ainda olhava para trás. A vida é surpreendente, mas a batalha estava mesmo terminada.

8 de outubro de 2010

Havia uma estranha tranquilidade em todo aquele silêncio. Não falaremos mais, daremos um tempo, estaremos livres da presença fisica um do outro. Um acordo, pela primeira vez em meses, concordar. Nem um sinal de revolta. Amo-te, mas não consigo lutar mais. Rita ficou com o sabor doce das últimas palavras de Ricardo: "Sabes que te amo, meu amor. Dorme bem. " O tempo teria agora de limpar a mágoa daquele amor.

3 de outubro de 2010

"She was waiting, but she didn't know for what. She was aware only of her solitude, and of the penetrating cold, and of a greater weight in the region of her heart."

Albert Camus, The adulterous woman.
Exil et le royaume, English. Exile and kingdom/A Camus: translated from the French by Justin O'Brien, Vintage International ed. p 14, NY, 1958

23 de junho de 2010

Nunca ninguém teria verbalizado a sua dor como ela. Nunca num contexto social daqueles, entenda-se. Talvez na privacidade de um consultório de médico, ou ao melhor amigo numa final de uma noite longa, mas nunca assim. Eram onze horas da manhã e Rita confessava uma dor inesperada, porque não se esperam dores dessas de quem carrega sempre um sorriso na face. Doía-lhe a alma, num aperto cortante do coração. Frustrada. Desapontada. Desesperada. Num mundo alheio a todos os gritos do seu coração.

Não quero que me compreendas, apenas que mudes o mundo.

18 de junho de 2010

Volta e meia, a vida dá-lhe um abanão e ela entende mais um pouco do mundo, apercebe-se de que nada é como se pensa, mesmo quando se pensa que já se sabe tudo. Desilude-se, e fala em nada. Depois, cicatriza e já não é nada, mas quase tudo. Parece não haver alternativa a desapontar-se. Espera muito, mas, nem mesmo espera demais. Devemos esperar tudo de nós mesmos, e dos outros, apenas o que nos poderem dar, remate num coração que se vai fechando.
Falou da morte num segundo, a morte entenda-se, falou durante bem mais de um segundo. Diz que a viu, a morte, num parapeito de uma janela de hotel. "Não lhe tenho medo. É o tranquilo repouso de mim mesma." Assustou todos com esta, mas não mais do que a si mesma.
De todos os modos, morrer saber-lhe-ia a pouco, bem pouco.

11 de junho de 2010


Queimaram-se as incertezas, mas só por hoje.

(Next, Helena Gullstrom, Los Angeles, Artwalk, June 2010.)

24 de abril de 2010




Quando o sono me pesa, assim me pesa a alma. Cai um pano pelos meus olhos, que, então obscuros, veêm pouco mais senão o meu sofrimento. É como se acordada, me mantivesse viva, consciente do mundo, atarefada a ocultar a dor.. Ou talvez tudo isto seja a minha propensão para dramatizar, e reflita nada mais do que a minha incapacidade para interpretar o meu próprio cansaço.

Rita, sempre severa consigo mesmo, acabaria por escrever a Tiago: Não me sabia dramática, exagerada e pouco sensata, mas parece que o sou e dói-me tanto.

Tiago teria as palavaras certas para lhe silenciar a dor. Rita saberia sempre não pertencer à normalidade, essa trivialidade de ser confundido como os demais, mas defender-se-ia, refugiando-se nos que a amariam como a ninguém mais.

(pic:fatima faria)

13 de abril de 2010

"Não diria a ninguém mais, mas digo-te a ti. Às vezes, o meu coração pára, e as lágrimas soltam-se sem pedir licença e sei-me infeliz. Revolto-me contra os que dizem que esta dor é natural, porque a queria só minha."

A voz não se cala, enquanto o coração nao deixar de se sentir.


21 de março de 2010

Numa noite qualquer, a vida dará voltas. Tu esperarás por mim, do modo como sempre espero por ti. Encontrar-nos-emos um no outro, e contaremos a rir o medo que cada um tinha que fosse só ele a gostar. O riso dará outro riso. Os olhos tocar-se-ão de um modo que só a alma vê. E os nossos passos saberão que encontraram o verdadeiro sentido de caminhar.

3 de março de 2010


É de manhã que os sonhos se acordam e se agitam, porque, à noite, já não têm espuma. tudo o que resta é um sal seco de lágrimas perdidas ao bater do relógio.

(laura owens)





Numa noite fria, o inverno aleija os calos e devolve-nos a idade.
Andar cansa e dói e recordamo-nos de outros tempos em que o roxo do frio não nos intimidava. Agora, nada apetece, e já nos esquecemos por que devemos caminhar.

O Paulo, a Rita, a Maria, a Joana, a Teresa, o frio de quem já não nos aquece.

Hoje a casa é grande, e vivo só.




***

Se a minha alma mirrar, como a minha cara, não me deixes cair, mas solta-me. Solta-me como se soltam as aves para um mundo lindo e cheio de cor, porque só a ele pertencem, e deixa-me ir. Por mais mirrada que esteja, lá encontrarei um caminho diferente do da gravidade.

Marlene Dumas

12 de fevereiro de 2010


Na verdade, és feliz, tu é que não sabes. Uma vez por outra lá se encontra um atrevido que, embuído de um qualquer rasgo de cigano de feira, acha que nos pode ler no primeiro suspiro. No primeiro instante, Rita ficava chocada por dentro, e expressava um sorriso por fora. Depois, a relação desequilibriva-se: toda ela risos com o atrevimento do pobre. Era vê-la a contar ao José. E disse-me isto passado dois!, dois minutos depois de nos termos conhecido, não é delicioso?
Coitado.
Coitado?! Que se meta na sua vida, que não lhe pedi nenhuma opinião!

8 de fevereiro de 2010


Há uma casa azul, onde tudo se passa. Fica para lá de um rio que já pouco corre, mas que sempre se agita em noites de inverno. Fica perto de um igreja de sinos atrevidos, que tocam desconcertados, ao sabor do vento caprichoso.
É nessa casa que nascem as melhores histórias, memórias recontadas com brilho, que aquecerão corações mesmo quando a lareira deixar de ter fogo. Uma casa com apenas três janelas, em que as madeiras ouvem o choro e o riso de quem se ama, de quem de desencontra com a vida e faz tudo para se reatar; onde a música se ouve mais alto e o fogo é sempre mais quente.
Um dia, ganho coragem e pedirei para lá entrar.

(chagall)

30 de janeiro de 2010

(Augusto Alves da Silva, Ferrari, 1999, Ilfochrome print
at Cirrus @ Serralves: Sem saída: ensaio sobre o optimismo; de 23 Outubro a 19 Fevereiro 2010)

Passava mirando a vida desprezada. Olhava-a nos olhos renegando-a ao abandono. O gesto ilumina a sala colorida, plena de luxo. Ostenta a pose de quem sabe nada precisar. A vida fita-o. Num encolher de ombros prossegue com a mesma atitude.

schacim ;)

25 de janeiro de 2010


Uma vez por outra, nem se fala de amor, mas de tanta outra coisa que, frequentemente, parece gravitar como pequenas luas em seu redor. Rita falava da sua idade. Samuel, atento, escutava-o como se a um profeta.

Sabes, contava-lhe, o pior não é o que encontro no espelho. Com isso posso eu bem. Ele não duvidava de que o espelho não a amedontrasse. Rita tinha no espelho o seu maior aliado. Eram os seus olhos que o viam. Eram os seus olhos que se viam reflectidos num brilho inegualável. São os olhos dos outros! Esses que me matam, me dizem que o tempo passou e que devo mudar.

Samuel vislumbrou o seu mundo invertido: como poderia a mulher que aquele pobre ser tanto admirava estar insatisfeita consigo mesmo, a ponto de considerar a eventual opinião dos outros? E que outros? Para todos, Rita, sempre segura, regia-se pelo seu próprio livro, cujo conteúdo todos queriam ler e memorizar.

Talvez por uma qualquer força telepática, Rita apercebeu-se do pensamento que ia na cabeça do recém-conhecido, e, tal estrela, que não quer perder o brilho de quem a admira, rematou: Mas que sabem eles? Só estariam satisfeitos se fosse feita da mesma massa que petrifica com o tempo.
E calaram-se as vozes e os medos.

(j. miró)

17 de janeiro de 2010


Nunca ou poucas vezes as portas e as janelas daquelas ruas viram mulher igual. Samuel indagou a medo: Já reparaste como todos te olham, Rita? Pareces ter uma magia especial. Rita ignorou-o, ou talvez tenha sorrido. Nela, o sorriso era uma expressão automática.
José, que caminhava atrás dos dois, seguiu atentamente a reacção de Rita. Todos sabiam que ela prendia muitos olhares, todos os sabiam, mas ela negava-o sempre. Samuel, novo e talvez apenas transitório na vida dela, foi o único a admirar-se com o efeito de Rita. E poderia bem ter sido nesse momento que Rita assumiria: Sim, sei que prendo muitos olhares, mas são só olhares, nada mais. Nunca me verás prender corações. Palavras que José ouviria apenas tempos mais tarde, numa noite bem diferente daquela.

(Richard Hamilton)