24 de outubro de 2007

escrita automática...

sim, serei, pedrinha numa horta de horas e horas que passam, sem que se lembrem de quem fui ou onde estive. limito-me a calcorrear-me num jeito de caminhar sobre mim mesma, já que o chão sou eu, e sobre o chão ando eu, sem mais introspecções que valha a pena referir. e serei, serei, a repetição do que sou hoje, porque serei o que sou, mas sonho com o que serei na rotina que sou. confuso? não, bem simples, mas a escrita automática de mim mesma, pedrinha da horta, flui nesta dimensão pseudo-filosófica de um contexto existencial fútil, que bem espremida poderia ser solapsista...a dimensão, e não eu, ora essa, que eu não sou nada solapsista, porque me sou e me vejo desde o início, mas o fim não o conheço...solapsista, eu! essa agora...

SF

10 de outubro de 2007


A alma tem caprichos e sabe fazer-se obedecer num corpo de um só coração. Ele cede sem resistir, como os pais cedem ao capricho de uma criança bem comportada: ela merece.


Um capricho, embrulhei a palavra e pendurei-a ao pescoço.


O choro por capricho de uma alma infeliz, que insiste para que o corpo fique triste.


Chora comigo!


E a lágrima cai. Não porque o corpo dóia, mas porque é companheiro. Vai com a outra, escuta-lhes os lamentos, sabe-a errada, mas dá-se como errado e cai também.

...

A voz de uma alma cansada faz-se ouvir num corpo que é seu único seu.


hf


2 de outubro de 2007


Ana hoje aparece envolvida numa questão maior. Há unanimidade e todos o afirmam. O Paulo, esse, permanece no seu mundo, mas a Filipa garantiu que lhe viu o agitar cefálico de aprovação. O caso não é para menos, a Teresa desta vez foi demais... como das outras vezes, de tantas outras vezes, mas hoje parece que todos ou quase todos acordaram com os olhos postos no atrevimento daquela personagem. As palavras foram claras e cairiam, bem afiadas em qualquer pessoa que vestisse essa pele, mas não na Teresa. Esta ainda embelezou o espectáculo e verteu lágrimas. Saem-lhe tão facilmente e, ainda assim, têm algum valor, pelo menos para Paulo. Ficou a remoer aquele acenar. Teria sido muito cruel? Patético, como ele só. Ana percebeu-lhe a antecipada hesitação, como a fenda que iniciou a quebra do momento. Filipa iniciou logo de seguida o vacilar. Era o fim, o coração apertou-lhe bem no peito, a testemunhar a sua existência, e Ana preparou-se para adiantar um se calhar cada um é como é.


hf
(Paula Rego)