22 de março de 2007

Hoje vi-te num espelho meu...


Hoje vi-te, como espelho meu. O coração apertou-me num corpo que já há muito aprendeu a não se deixar abalar. Olhei-te e vi os mesmos olhos à procura de reflexo. Vi-lhes a ternura de quem se sente ímpar no meio de iguais. Reconheci-lhes a lágrima calada no barulho de um pestanejar mais forte.

Vi-me e vi-te e se o abraço fosse espontâneo, agora senti-lo-ias bem forte; e se a lágrima ainda caísse, seca-la-ias; mas se o gesto calasse a tua solidão por um instante, o curto espaço de tempo que até te dares conta da inutilidade (do gesto); não calaria o meu grito, esse que sai já calado e se sabe eterno.

Talvez tu, ainda aconselhado pelo desespero, acredites em gestos mágicos, em ilusões salvadoras, em respostas perfeitas, mas só a ingenuidade te pode fazer crer que seja eu. A ingenuidade… que vais sufocar com o marcar das rugas e que vai persistir muda, roendo em dor latente e solitária, presa a um corpo que aprenderá mais velozmente do que o coração.

Como conheço bem os teus trilhos! E como desejaria que fossem diferentes dos meus… É possível que o sejam e até isso dói, mas o teu presente está tão próximo do que quero que seja passado.
Rita


hf

(imagem: Isabelle Faria, auto-retrato, 2003)