6 de dezembro de 2007

como se conta a história?


A vida cai aos poucos na energia de um relógio que não nos acompanha. O pano abre-se e a luz dá-te o protagonismo neste solilóquio. Como contar a história? Uma vida em palavras...

Mereceria, pelo menos, um guião bem feito, escrito por quem sabe mais, por quem sabe escolher a palavra certa, a eufemizar o que nunca se planeou dizer e a hiperbolizar o que já todos sabemos. Talvez fosse o caso de não dizer nada, ou de dizer um pouco mais do que nada. Porventura, até poderia contar tudo como foi numa louca originalidade pósmoderna.
Ensaios vários e bem coordenados. Cuidados de imagem. A luz seria importante. Tantos pormenores talhados para uma maioria gostar, lançar elogios mil, que calassem o embaraço do momento, as dúvidas, os pecados, os que não nada dizem e tudo pensam.

Injusta a vida que não nos permite ensaiar. E o livro abre-se . Conto-me como foi e peço-me que nada diga.



hf

(Paula Coelho, Vómito)

3 de dezembro de 2007

quando o coração ficou pequeno


Ainda se recorda do dia em que acordou e sentiu um coração pequeno. Reconta-o de um modo tão dramático, como se fosse uma verruga que tivesse nascido bem na ponta do nariz, de um dia para o outro e o espelho da manhã trouxesse essa novidade. Há dias, em que Teresa, bem mais racional, é capaz de se perder em explicações mais plausíveis sobre a pequenez do seu coração. Envolve-se de tal modo no discurso, que a interrupção pode ser fatal, tornando-se bastante desagradável. Ninguém lhe escuta a dor de ter um coração pequeno, retoma o romantismo e, por vezes, o envolvimento é tal que até verte uma lágrima. Curioso, mas há dias em que o sol lhe ilumina a alma e faz uma ou outra graça sobre o assunto. Dias há em que logo se arrepende da jucosidade e assombra o momento com um deviam ter respeito. Há horas em que tudo parece ser normal, e até se ri da sua patetice.


Às vezes, até Paulo se interroga se também ele terá um coração pequeno. Dedicar-se durante tanto tempo sobre a má sorte de Teresa, e , se no final, também o dele for pequeno. Por momentos, chega a esquecer-se de Teresa, mas logo tudo volta a ser como era.


Por que raio tenho um coração pequeno?, grita Teresa ao espelho.
hf
(fátima mendonça)