27 de abril de 2008


o vento soprou a palavra e levou-a para longe daquele velho dicionário. Houve lágrimas, risos e até pausas, mas ninguém percebeu a sua falta.

Anos mais tarde, um perito em história natural das palavras deu conta de que, de acordo com cálculos elaborados com a colaboração de grupos exímios na arte de fazer contas, teria já desaparecido mais de uma dezena de palavras do velho dicionário. Caiu em saco roto, como um daqueles prenúncios de que tudo está mal e ficará ainda pior.

Meses volvidos, um conhecido artista da televisão disse em público que lhe faltavam palavras, as revistas e os jornais juntaram a simples soma de factos e venderam. Era preocupação de domínio público: faltavam palavras no velho dicionário.

Venderam muito mais quando explicaram o movimento das palavras, que são arrancadas durante uma noite de inverno, partem com o vento para o universo. Talvez um dia, se juntem, num pequeno dicionário. Venderam mais quando especularam sobre quais as palavras em fuga e quais seriam as próximas. Na cidade, vendiam-se pequenas pastilhas com as putativas futuras fugitivas para mascar, pintavam-se palavras nas paredes, recorriam-se a todos os artefactos para que todos as tivessem presentes e as reconhecessem em caso de fuga.

O mundo mudara, estava desperto para esta realidade, nos livros de escola, nos jornais, na televisão, mas então como não eram capazes de sentirem a falta e até reencontrarem as palavras ausentes?... Teóricos cogitaram muito e vieram com estas: palavras leva-as o vento e tudo o que não há se escusa.


hf

chema madoz

17 de abril de 2008


Congelou o tempo e riu-se para trás. Tinha pouco jeito para o gesto, mas até imitou cuidadosamente e até pareceu um estridente riso de indiferença. Gonçalo repetiu umas quantas vezes, até se esgotar o seu tempo naquela conversa. Não queria pensar e ponto final. Não se escreve mais pelo menos naquela página. Se calhar há outro livro onde registamos este tipo de alheamento, não acredito que a vida ficasse indiferente aquele conjunto de acontecimentos. Esperava o momento em que tivesse de regressar, porém até esse dia, mantinha-se congelado.

hf
miguel telles da gama