26 de maio de 2007

poemas ébrios III

cai no copo a desalma
do meu corpo sem se ser.
turpor estúpido, estúpida calma,
estúpido eu, sempre a morrer.

leio os olhos pela palma
num copo que sobe sem descer,
sem perceber que se me espalma
o que devia perceber...

s.f.

24 de maio de 2007

1985 (after Orwell's 1984)

Uma claridade cinzenta, como tudo o resto, foi suficiente para lhe tirar o sono. "Merda! Outro dia igual aos outros!" O enfado dos dias que lhe corriam pela pele não derivavam da ausência de entretenimento, fosse ele qual fosse! Bem pelo contrário, era a excessiva presença de tudo que o sufocava, quando tudo podia, e devia, ser simples.. Não sabia o que sentir, nem sabia porque sentia o que sentia nas circunstâncias em que estava, mas o antagonismo que a lógica criava nas emoções tidas derreava-o. O cansaço de tal luta era tão intenso que as cores deixavam de existir. Era muito cansativo ver fosse o que fosse, quanto mais cores.
Saiu do seu quarto cinzento, entrou no quarto-de-banho cinzento, tomou um banho de água cinzenta, vestiu-se de cinzento, escovou o cabelo e os dentes, ambos cinzentos, e saiu...para o mundo exterior, também ele cinzento. O solapsismo infiltrava-se-lhe sob a forma de ausência de cores, dado inexplicavelmente elas lhe trazerem alguma emoção. Numa repressão lógica da mesma, ia sobrevivendo todos os dias, sem viver. Era ditador de si próprio, e só a pesada embriaguez a que se sujeitou de noite o fez perceber de tal situação...
Quando no dia seguinte acordou, tal reflexão estava extinta, e tudo recomeçou como no dia anterior.

s.f.

13 de maio de 2007

poemas ébrios II

Ah!Merda!
Tanta luz!
Nebulina que se me herda
Arrasta o corpo que me conduz,
Mata a garrafa que me seduz!

Ah!Parte-a!
Estilhaça-a!
Derrama o liquido sobrante
Sobre a culpa asfixiante!
Mata a ressaca em que me pus!

Ah!Morra!
Erro de merda!
Não me tenho mais pachorra!
Atinjo-me sempre d'alma lerda!
Caralho p'ra isto! Porra!

s.f.

11 de maio de 2007

Tédio. Falou-me do tédio. Acho que está contente em ter encontrado uma palavra longe da tristeza e, sobretudo, longe do banal, que lhe confere a excêntrica posição que procura. Se tivesse de definir a minha vida numa só palavra, escolheria o tédio. Repetiu a frase vezes sem conta, talvez umas três ou quatro para me aproximar com exactidão. Não pude deixar de sorrir, mas pouco mais fiz, mesmo muito pouco, especialmente quando me recordo que fui eu quem lhe perguntou sobre a vida.

Estranho. Estranho foi ter respondido. Esperava uma simples repetição da cortesia e obtive mais; possivelmente pela novidade da resposta, deixei um sorriso. Um simples esforço muscular, que tentava dissipar o peso daquela afirmação e me alhear de uma resposta à altura.

Ironia. Ironia foi dizer ele aquilo que só eu sinto.

hf

5 de maio de 2007

poemas ébrios I

atraso meu, insocialidade,
insónia de gente
que sente saudade
de alma diferente.
sem jovialidade,
em morte aparente.
controlo a vontade
de amor ardente,
e vivo a saudade...

não sei ir em frente,
e com pouca idade
cresço decrescente.

e morro diferente...
morro de saudade
por amor ardente...

s.f.

1 de maio de 2007

para os que se julgam sozinhos no mundo

segue-se um texto já bastante antigo de minha autoria, que nunca pensei em exibir a nível pessoal, quanto mais publicado neste tão estimado weblog. depois de o ter dado a ler a uma grande amiga (a única leitora até esta hora), senti-me impelido a publicá-lo. é cru, e revolve-me as entranhas, porque no fundo é uma maneira muito sucinta de me explicar, sendo que permanece mais ou menos actual. mais uma vez, o lápis que escreveu foi guiado pelo álcool e pelo fumo.

um grande obrigado também a hf, pelo estímulo dado.

para os que se julgam sozinhos no mundo:

"Eu não sou eu, somos nós. Existe em mim uma ausência de unidade, como que se várias personagens habitassem o meu corpo e lutassem entre elas pelo protagonismo de se manifestarem como aquele que deveria ser eu. Algumas já existiam de raiz, outras foram aparecendo por força de ocorrências que massacraram a minha estabilidade relativa.

Dizer que sou por natureza simpático e rancoroso é um erro que me imponho a mim próprio. Nunca sou os dois ao mesmo tempo. Vivo-me em situações diferentes, com atitudes diferentes, porque somos diferentes! Nós, a pluralidade na singularidade da personagem que os outros vêem.

A tristeza é, portanto, possivelmente o único sentimento de união que possuo. Sou triste porque o pretendo, ou porque me vejo pretendê-lo. Sou triste porque sim, porque me sinto eu sendo triste, porque assim sou uno, porque sei que sou eu, verdadeiramente.

Procuro o sucesso, mas empurro-me para a queda…apenas porque tenho medo de mudar. E entristeço-me ao saber que desiludo quem me rodeia, por ser sempre alguém que não devo. Por fazer conhecer a quem me ligo a minha natureza poluída e, infelizmente, contagiosa, afectando negativamente quem amo. E isso é imperdoável.

Consequentemente, as culpas vão-se acumulando com a repetição sistemática do erro de procurar a tristeza. E começo a deixar de me suportar ou tolerar.

Talvez para me entristecer…talvez porque sou má pessoa…"

(15/6/2005) s.f.