24 de maio de 2007

1985 (after Orwell's 1984)

Uma claridade cinzenta, como tudo o resto, foi suficiente para lhe tirar o sono. "Merda! Outro dia igual aos outros!" O enfado dos dias que lhe corriam pela pele não derivavam da ausência de entretenimento, fosse ele qual fosse! Bem pelo contrário, era a excessiva presença de tudo que o sufocava, quando tudo podia, e devia, ser simples.. Não sabia o que sentir, nem sabia porque sentia o que sentia nas circunstâncias em que estava, mas o antagonismo que a lógica criava nas emoções tidas derreava-o. O cansaço de tal luta era tão intenso que as cores deixavam de existir. Era muito cansativo ver fosse o que fosse, quanto mais cores.
Saiu do seu quarto cinzento, entrou no quarto-de-banho cinzento, tomou um banho de água cinzenta, vestiu-se de cinzento, escovou o cabelo e os dentes, ambos cinzentos, e saiu...para o mundo exterior, também ele cinzento. O solapsismo infiltrava-se-lhe sob a forma de ausência de cores, dado inexplicavelmente elas lhe trazerem alguma emoção. Numa repressão lógica da mesma, ia sobrevivendo todos os dias, sem viver. Era ditador de si próprio, e só a pesada embriaguez a que se sujeitou de noite o fez perceber de tal situação...
Quando no dia seguinte acordou, tal reflexão estava extinta, e tudo recomeçou como no dia anterior.

s.f.

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