28 de julho de 2006

Conversas de Jardim

Dizem. Dizem que estou doido, que oiço vozes que não existem. Raios, se as ouço se elas me falam se me compreendem se me dão conselhos se me ouvem, serão falsas? Não estarão os outros doidos?Ontem saí. Fui ao parque. Sentei-me, perdi-me. Não sei o que foi, se aquela folha simples, seca, quente, a dançar com o vento, se aquela calma, aquele silêncio, aquela deixa que me conduziu novamente a este questionamento interior.
Sei que estou doido, mas com a minha demência consigo ver que todos à minha volta não estarão assim tão sãos como a sociedade os cataloga:
- o médico que me vê de relance todos os dias, sim o mudo, nunca lhe vi um olhar feliz, só aquele olhar ferido, cavo e seco;
- a enfermeira que me trata, sim a cega, fala de forma cadente todo um discurso à muito decorado e que hoje é estandardizado para todos aqueles que pela frente lhe surgem. Muito provavelmente quando vai deitar os filhos repete: passas-te um bom dia? aleijaste-te? falas-te muito?
- a senhora da comida, sim a surda, nunca compreende aquilo que lhe é dito, de tão ocupada que tem a cabeça de vento…
No entanto, perante todos eles sou eu que estou doido. Como disse? Concordo, acho que tem toda a razão, claro mas todos eles estão mais ou tão doentes como eu, é tudo uma questão de curvas.
Hum… pois… talvez… Sabe, estive a ler e sem querer percebi, é tudo uma questão de perspectiva, de presentes e de futuros.
Não é disso que falo. Repare no meu caso, do passado, não sei, para mim não existe, de nada me serve. Presente não tenho, é sempre igual, e se é igual não é mais que um pretérito continuamente a repetir-se. E futuro, desconheço mas surge como um pretérito mais-que-continuamente a repetir-se. Não sei se é assim com todos os que estão aqui, comigo é, e com grande parte daqueles que se dizem sãos também é, pelo menos comportam-se como se fosse. É como um caleidoscópio, mistura-se e dá sempre uma imagem diferente, mas a base é sempre a mesma…
Mas sabe, e isto para terminar por hoje a conversa, porque se faz tarde, e isto de me perder no parque pode dar para o torto, ainda vem uma cega procurar-me, a mando de um mudo, cujo recado foi dado primeiro à surda.
Sabe, e se não o sabe fica a saber, eu pelo menos sei do que sofro. Sim sei, talvez não esteja assim tão mal. O que eu sofro é de conversas intermináveis com o senhor Folha e o senhor Silêncio, enquanto eles vivem na ilusão, ou melhor no limbo de um diagnóstico ainda não pesquisado.

Luís Fernando