29 de outubro de 2009


António desfinhava-se com mais um desses dias em que não se encontra a paz em nenhum lugar. A casa de Rita estava fria, um novo amor prendia-a a um encontro, imagine-se, no centro comercial. Além de Rita, tudo era sempre mais frio, e António não estava motivado a ultrapassar barreiras de gelo, construidas ao longo dos anos. Estava só. Esperaria Rita chegar a casa e logo lhe contaria como às vezes a vida o desfaz e se revolta numa luta inútil.
Rita sabia como ninguém acolher o desespero dos outros, dando, com o seu exemplo, um grito ao mundo: é esta a forma como se deve receber um amigo, quando ele precisa de nós; um amigo ou qualquer pessoa, afinal somos todos humanos.
Assim, António decidiu esperar. A vida ri-se da ironia. Minutos depois de António pensar em telefonar a Rita, o telefone dele tocou: Rita. Os amores de Rita! Poucas perguntas, António havia aprendido que a sua amiga precisava de ser ouvida e, tudo que lhe fugisse do contexto, seria demais. Era incrível como Rita sempre se entregava a estes novos amores. Em cada um, a esperança de ser amada e ser feliz.
A António, Rita poderia dizer que conhecia Pierre há menos de um dia. Não tinha de inventar que o havia conhecido havia muitos meses e daí o seu estado. Só António poderia compreender que se pode amar num segundo, quando se vive tão sequioso de amor. Só ele se esqueceria de si mesmo, a uma palavra de Rita, que, nunca alheia ao outro, lhe perguntaria depois do lamento: E tu como estás?

(barbara kruger)