10 de fevereiro de 2008


Tive um cubo de gelo derretido na espinha e senti um arrepio. Brutal, Ana dissolveu a possibilidade de troca de palavras. Tem punhos frágeis, mas também soube dizer basta naquela mesa. Guilherme fechou a boca por sentir a farpa, mas, imune e de resposta rápida, assaltou com mas a conversa não está a agradar?. Não, estou parva. Vou para casa. Distribui os beijos com um sorriso e fechou a porta. Foram gestos rápidos e pouco aborvidos, nem tempo houve para ouvir um O que se passa? da Rita, ou um Queres companhia? do António ou o bem mais sincero Também vou daqui a pouco e ligo-te de seguida. do Filipe. Os dois eram iguais, até onde a igualdade o permitia. Havia a diferença no agir: o cumprimento das regras, e que regras!, a que Filipe se submetia; mas também ele estava aborrecido com o Guilherme e com que este representava. Suportável, mas não naquele dia para Ana. Há dias em que não me apetece aturá-lo. Eu sei, mas vamos tomar café os dois. E foram, cúmplices uma vez mais sob aquele céu.
hf

1 de fevereiro de 2008

E depois veio o perder...



E perdeu tudo. Tudo o que tinha e julgava seu. Tudo que ainda era nada, mas lhe estava prometido. André percorreu aquela sala vezes sem conta, fazendo estranhos desenhos de desespero. Perder tudo? Havia coisas que nem se importaria e sempre soube que lhe eram emprestadas, mas e o resto que já era tão seu? E o que era quase seu? Surgiram estas no meio de tantas outras indignações.

O tempo passou, cerca de 30 minutos, André ensaiou esforços de resígnio e quis tirar do saco a sapiência que não era sua: tudo ainda será meu, mas de um modo diferente. Reconheceu imediatamente o seu alheamento a estas palavras, lançou um grande ai e a revolta continuou, continuou e continuou até o relógio marcar mais uma hora e André perceber o vazio dos gestos e palavras contra a pontualidade de um relógio e decidir calar todo o seu desespero.

hf

(júlio pomar: gato e o violino)