4 de setembro de 2008




Rita acordou sobressaltada. Tinha-se visto, de um modo tão claro como só ela o poderia.

Um lençol desbotado a cobrir uma cama onde se debatia sozinha contra a insistência de uma insónia.
Uma almofada inútil no repousar e uma outra igualmente frustrada.

Não houve um abraço, um beijo, uma mão que encontrasse a sua.

Não viu Paulo, o primeiro e único amor da sua vida, não viu Gonçalo, Ricardo ou José, ou qualquer um dos que sucederam.

Apenas a almofada encardida onde se abraçava violentamente num esforço amargo, como todos os que são em vão, para fazer dela gente.


Uma luz fina que atravessava o estore e que denunciava a lua num espelho daquele guarda-roupa.
Esse tão conhecedor dos múltiplos ensaios de Rita para agradar e ser agradada.
Esse que a viu bela como ninguém, ou como ninguém a conseguiu ver.
Esse que amaldiçou os que não tinham os seus olhos.
Esse que a atraiçoava agora e lhe mostrava rugas secas numa cara sem vida.
Que a revelava só e despida, com o prazer de quem assiste ao fim tal como o descrevera.
Que se levantava numa noite cruel e denunciava os pequenos pecados da diva.
Esse, a quem ela tinha dedicado toda a sua vida, tão inutilmente...

O ranger de todas as madeiras sucedeu aos pequenos estalos de uma televisão acabada de desligar, depois um vazio que lhe cortava a alma e a deixava ouvir o palpitar de um coração já cansado para se debater contra mais uma insónia.

Há muitas vidas no mundo e nem todas podem ser pintadas da mesma cor, pensou talvez ainda durante aquele sonho.
(Bartolomeu dos Santos)

Nenhum comentário: