29 de abril de 2009


Não se lembrava quando começara a pecar, mas conhecia aquele sabor havia muito tempo e tinha já encontrado muitos modos de conviver razoavelmente com ele, sem explodir em raiva e em lágrimas de arrependimento cada vez que memórias atrevidamente lhe atravessavam a consciência. Talvez fosse quando descobriu que pagara apenas cinquenta escudos por um chocolate que custava mais de duzentos, que bem lhe soubera, e como calara um superego exigente de tijolo católico e com tinta de velha, com a desculpa que o preço estava mal marcado, e, como se essa não fosse justa, o valor do chocolate estava bem mais do que inflacionado e havia tanto coisa em que o supermercado poderia enganar-se, pior, se o erro fosse ao contrário, eles nunca diriam nada. Assim se calava, mas nunca lhe sairia da memória, ainda que, hoje, à luz do direito do consumidor, Paulo estava correcto. O preço estava mal marcado. Quando a rapariga da caixa lhe perguntou o preço, ele disse honestamente cinquenta escudos, por ser exactamente o preço que vira marcado e por isso decidido comprar aquilo; só mais tarde, talvez numa próxima ida ao supermercado se apercebeu do engano, mas nem por isso o desfez e nesse tempo, pouco sabia de direito de consumidor. Era esse o peso, que ainda que perdoado, fazia impressão numa memória.
Talvez fosse mais cedo, mas mais tarde viria a dizer que nenhuma decisão é isenta de julgamento moral e que teria de viver com mais este pecado. 

(Martin Kippenberg)

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