27 de março de 2008


Deu-lhe tudo e diz que recebeu pouco mais do que nada.

Hesitou no nada, mas ponderada colocou o pouco mais do que nada. Paula detestava dramatismos românticos e fugas a realidade aritmética a que se habituara. Com rigor, poderia dizer que recebeu algo em troca, mas a balança desquilibrava em claro desfavor para com ela. Lançou o desabafo, mas arrependeu-se. Estaria a cair nesse romantismo de que tanto se pretendia afastar? Ainda que houvesse essa possibilidade, continuaria no momento, tentando manter-se alheada de possíveis juizos de valor.

Sabes, não foi desta, também não foi desta que sinto a plena retribuição.

Gonçalo escutava indiferente.

Dói-me a alma sentir que eu faria tudo para que ele ficasse, e ele partiu. Dói-me a alma porque conheço o texto como ninguém, dou as deixas e nada se passa como o que quereria.

Gonçalo sorriu, incapaz de dizer que, embora fizesse o esforço, era evidente a sua incapacidade para compreender aquele desabafo. Pronto, teve de ir embora. E depois? Um sorriso também destrói, e Paula percebeu-o como reprovação.

Deixa lá, são coisas que me passam por esta cabeça depois de dez horas de trabalho.

Nessa altura, Gonçalo adiantou: eu compreendo.

Depois, foi o desejar que a conversa acabasse. Sentiu-se incompreendida, talvez patética.

Por que ainda continuo a querer?

hf

(Joana Salvador)

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