Não, o sonho não tinha tempo, foi queimado numa dessa manhãs em que o gelo brilha como orvalho triunfante em seu apogeu.
Acordei e apercebi-me daquele odor a queimado. Também aquele sonho não se concretizaria. Era talvez o último do género. De que género? Do género desses que conservam a ingenuidade de criança: se acreditarmos muito, talvez aconteça!
Os sonhos acontecem por querermos muito. Aproveitamos uma pestana caída e desejamos fortemente. Nao o podemos é contar a ninguém. Contar estraga. É um acordo que fazemos com quem manda. Se nos portamos bem e sobretudo se nos mantivermos em silêncio, para não abrirmos precedentes, tornará-se-á realidade. Esperamos, com essaa certeza porque estamos a cumprir as regras e é assim que se joga. Só não sabemos quando, o que nos faz viver uns quantos falsos alarmes. Meros ensaios, porque temos tudo planeado. Acreditamos tanto, tanto, tanto; é preciso e o mundo é mágico.
Pois foi, queimado e morto. Agora virão outros sonhos, mas nenhum outro como aquele.
Rita, num monólogo.
(A. Jawlensky)