O amor prendeu-me como se prendem os corpos nas covas num dia de santos: num lugar fixo, onde me sei, e onde, ainda que não me vejas, tu me sabes encontrar.
12 de novembro de 2009
O amor prendeu-me como se prendem os corpos nas covas num dia de santos: num lugar fixo, onde me sei, e onde, ainda que não me vejas, tu me sabes encontrar.
29 de outubro de 2009
António desfinhava-se com mais um desses dias em que não se encontra a paz em nenhum lugar. A casa de Rita estava fria, um novo amor prendia-a a um encontro, imagine-se, no centro comercial. Além de Rita, tudo era sempre mais frio, e António não estava motivado a ultrapassar barreiras de gelo, construidas ao longo dos anos. Estava só. Esperaria Rita chegar a casa e logo lhe contaria como às vezes a vida o desfaz e se revolta numa luta inútil.
9 de setembro de 2009
25 de agosto de 2009
Embalou-se na vida como as palavras conhecessem-se então novo sentido e desfez um espelho em gargallhadas estridentes, sem medo de nenhuma praga de sete anos de azar.
30 de maio de 2009
Era a noite mais fria de um Verão intenso. Sim, o Verão também tem noites frias, e há mesmo dias em que o sol não aquece. Assim, era unânime, aquela era a noite mais fria desse Verão. Mas não para todos. Tal como no Inverno, há quem sinta o frio de modo diferente, arriscando-se mesmo a dizer que o frio é psicológico. Seja lá como for, Simão sinta o frio como imaginava que os velhos de ossos frágeis o sentissem. Sentia o frio do modo que achava tão seu, porque não era velho e nem tinha ossos frágeis, houvesse um aparelho que afirmasse isso mesmo e ele veria com um sorriso a sua tristeza reconhecida num modo especial e único para sentir o frio.
Não havia nenhum aparelho e, se usasse um motor de busca como o Google, logo perceberia que muitos se queixavam do mesmo. Irritado, pela falta de originalidade, abafava-se num cobertor de lã, que lhe confirmava a sua própria necessidade, até que Rita chegou. Com um cobertor de lã numa noite tão quente?! Já sei. Mal de amores, não? E o abraço que afastou aquele cobertor.
27 de maio de 2009
A noite cansara-se daquele choro e os casais riam-se das rugas fáceis de quem se rezinga com a vida, e o relógio? O relógio, esse, olhava todos com a indiferença de quem se acostumou a ver passar o tempo, ver nascer, crescer e morrer vontades que se juraram eternas. O choro não lhe perturbava o seu ritmo, e era com o mesmo desprezo que ouvia os risos e via as rugas dos contrariados.
29 de abril de 2009
Não se lembrava quando começara a pecar, mas conhecia aquele sabor havia muito tempo e tinha já encontrado muitos modos de conviver razoavelmente com ele, sem explodir em raiva e em lágrimas de arrependimento cada vez que memórias atrevidamente lhe atravessavam a consciência. Talvez fosse quando descobriu que pagara apenas cinquenta escudos por um chocolate que custava mais de duzentos, que bem lhe soubera, e como calara um superego exigente de tijolo católico e com tinta de velha, com a desculpa que o preço estava mal marcado, e, como se essa não fosse justa, o valor do chocolate estava bem mais do que inflacionado e havia tanto coisa em que o supermercado poderia enganar-se, pior, se o erro fosse ao contrário, eles nunca diriam nada. Assim se calava, mas nunca lhe sairia da memória, ainda que, hoje, à luz do direito do consumidor, Paulo estava correcto. O preço estava mal marcado. Quando a rapariga da caixa lhe perguntou o preço, ele disse honestamente cinquenta escudos, por ser exactamente o preço que vira marcado e por isso decidido comprar aquilo; só mais tarde, talvez numa próxima ida ao supermercado se apercebeu do engano, mas nem por isso o desfez e nesse tempo, pouco sabia de direito de consumidor. Era esse o peso, que ainda que perdoado, fazia impressão numa memória.
24 de abril de 2009
Havia uma canção, dessas que fica por um tempo no ouvido a lembrar como nos podemos prender facilmente à novidade.
4 de abril de 2009
Eram pedaços, pedaços pequenos de uma vida que se desfaziam em minúsculos fragmentos cortantes. Caiam como caiem nos sonhos os espelhos partidos e sentiam-se também como estes e com o azar que transportam.
9 de março de 2009
Queimaram-me o sonho mais bonito que tive numa manhã de inverno.
24 de fevereiro de 2009
Fez promessas, dessas quando se vê o fundo como o nosso chão e nada parece poder ser pior. Inocentes, tal como um filme, depressa nos arrependemos dessa certeza. Tudo pode ser sempre ainda pior.
9 de fevereiro de 2009
No final de tudo, não precisamos de novas histórias. Não. Contem-nos as mesmas de sempre. Arranjem nomes diferentes, para serem criativos, mas damos o nosso mundo por um beijo no final e uns quantos heróis.
25 de janeiro de 2009
Dentro de casa, à semelhança do que se passava em tantas outras, a azáfama. Daquelas que alimentaria a memória por muitos anos, com pormenores de roupas a cheirar a naftalina, e sapatos a brilhar de lustro. Uma dessas coisas em família que havia sido planeada com sobeja antecedência. Semanas antes, o Pai já havia conversado sobre este acontecimento durante o jantar. As conversas repetiram-se durantes muitas outras refeições. Trocaram-se sorrisos cúmplices entre os mais velhos, mas para Fernando, o pequeno, ainda era um mistério. Às vezes, adormecia a pensar na beleza daquela bailarina, usando a imagem de um qualquer livro infantil de cuja memória retinha uma figura feminina vestida de cor de rosa e com uma varinha de condão.